(artigo originalmente publicado no Jornal da Universidade São Judas Tadeu, em 1993)
Nas últimas décadas o esporte adquiriu um espaço importante no cotidiano das pessoas e, por suas características, tornou-se um fenômeno de comunicação.
É curioso observar como, embriagado pela atmosfera esportiva, o comentarista de TV procura elevar o grau de despojamento e intimidade com seus telespectadores. Sem o menor constrangimento pronuncia um sonoro “alô, galera”, enquanto seus colegas discretamente entoam um “boa noite”. Esta intimidade (desejada) parece refletir a expectativa de se criar certa dose de cumplicidade, familiaridade em torno das pessoas, entendendo-se, então, porque se fala em “nação corintiana”.
Partindo do ponto de vista lingüístico, o esporte empresta à comunicação diária expressões do seu universo que são compreendidas mesmo por aqueles que não estão envolvidos pelo cotidiano esportivo.
Não raro, em uma discussão, é possível ouvir afirmações tais como “xi, embolou o meio de campo” ou “fulano só dá bola fora”. Até mesmo no âmbito sentimental afirma-se: “ele tanto fez que tomou cartão vermelho da namorada”.
O esporte sempre esteve na moda. “Esporte fino” recomenda o convite. E também quando se trata de assuntos reais: “comentar o romance entre o príncipe Charles e sua amiga tornou-se o esporte principal dos ingleses”, esclarece o correspondente internacional.
O esporte empresta ainda sua imagem para decorar um produto. Ao acreditar no binômio esporte/saúde, esporte/vigor ou esporte/beleza vende-se iorgute, chocolate, refrigerante e até cigarro! Por uma bagatela é possível comprar um carro: “veloz, arrojado, moderno. Enfim, um carro esportivo”.
Esta fusão do esporte com a publicidade é tão clara e direta ao pode de se poder confundir um piloto de Fórmula 1 com um outdoor ambulante.
Mas é do ponto de vista psicossocial que todo o universo simbólico do esporte se evidencia na totalidade. A humanidade precisa (precisa?) de mitos e ídolos e a cada quatro anos elegem-se os heróis do Olimpo. A vitória de um time é a demonstração conclusiva da superioridade de uma raça (pelo menos foi assim que pensou Hitler e seus amigos).
A quebra de um recorde é o clímax; a bandeira no topo e o hino nacional tocando levam todos às lágrimas. Cristaliza-se o fenômeno da transferência de identidade: a realização através do outro.
Com seu inegável poder de sedução, o esporte não passa despercebido pela política e torna-se um instrumento ideológico usando independentemente do regime. Tanto a democracia quanto a ditadura conhecem esse poder. Com efeito, um candidato a qualquer cargo público precisa aparecer vestido coma camisa do “seu” clube. No corre-corre por uma vaga no legislativo, os jogadores e dirigentes se valem da imagem de vencedores para conquistar o voto. Nas propostas só dogmas: “fazendo esporte a criança estará longe das dorgas”; “o esporte ensina a perder e a ganhar”.
Não obstante, aqueles que ocupam cargos no executivo sempre arrumam um jeito de posar com atletas ou, o que é pior, de atleta.
Cumplicidade, despojamento, saúde, elegância, vigor, superioridade, dinamismo, autopromoção são algumas das referências próprias do esporte. Eficiente veículo de mensagem; eficaz garoto-propaganda.
A abrangência do significado da palavra “esporte” é tal que se estende desde o caminhar no parque até o concentrar-se no centro de treinamento à espera da final. Esta abrangência é, sem dúvida alguma, abusiva.
Cometer exageros sobre o conceito do termo “esporte” não é privilégio dos leitos. Os próprios profissionais da área não identificam com clareza os limites deste conceito. Os “especialistas” ainda insistem em chamar um corredor de final de semana de praticante de esporte.
É preciso, definitivamente, tratar o esporte com mais rigor. Não se pode mais, pela própria complexidade do fenômeno, confundi-lo com atividade motora. Correr na praia, pedalar no parque, jogar bola ou nadar no verão não caracteriza a prática de esporte. o aprendizado e a prática de tarefas motoras não podem ser confundidas com o aprendizado e a prática esportiva pois, possuem finalidades e sujeitos diferentes.
Classificar o esporte em três categorias – esporte-performance, esporte-educação e esporte- participação – é uma balela. A performance e o rendimento são a própria essência (e definição) do esporte; não existe esporte sem comparação e valorização do resultado.
Nada por si só é educativo. Enquanto instituição, o esporte, assim como a igreja, a família, a escola e a televisão transmitem valores e juízos. O esporte ensina tanto a ser leal com o adversário como a ser agressivo com o juiz; ensina tanto a respeitar regras como burlá-las.
“Esporte é para todos” gritam os desavisados. Mera ilusão! O esporte é para poucos ou para aqueles que reúnem características anatômicas, fisiológicas, biomecânicas e psicológicas muito bem definidas. Oscares, Hortências, Rais fazem parte de um grupo muito seleto.
Com suas características contemporâneas, ao esporte é imprescindível unir os conhecimentos da ciência. Isto significa constituir uma equipe multidisciplinar de nutricionistas, psicólogos, fisiologistas, para que se possa chegar ao que interessa: a vitória.
Isto significa dizer, portanto, que o universo esportivo PE altamente planejado e sofisticado; à maioria dos mortais resta o encantamento.
Bem, se o esporte exige todas as características acima, quem são os anônimos corredores e ciclistas dos parques? Quem são os ilustres desconhecidos caminhantes matinais?
Certamente são pessoas que têm, incorporados aos seus valores, a prática da atividade motora regular. Alheias à ditadura dos shorts agarrado, do tênis importado e da camiseta fosforescente, essas pessoas possuem conhecimento sobre a importância desta atividade, realizando-a sistematicamente e, apesar disto, não podem ser confundidas com atletas.
Isto posto, poder-se-ia dizer, sim, que essas pessoas têm uma atitude positiva frente à atividades motora, ou seja, são pessoas “motoramente educadas”.
Dentro desta perspectiva e em torno da prática da atividade motora, existem situações diferenciadas. De um lado, o esporte caracterizado pela performance, pelo treinamento, pela vitória, pelo biótipo adequado etc. De outro, as pessoas que procuram com a atividade motora regular o seu bem-estar.
Ps: Ontem, um aluno, pelo qual tenho um carinho especial, comentou: “Rita, a Bete solicitou a leitura de três artigos seus.” Fiquei lisonjeada por várias razões e, entre elas, por ter sido “a Bete” que solicitou. Este é um deles.