(artigo originalmente publicado na Revista CREF4/SP, ano 1, nº 2, p, 18-19, 2001)
A sociedade, através de revistas especializadas, jornais e programas de TV, está recebendo uma intensa carga de informação sobre a prática da Educação Física que a médio prazo resultará em clientes mais exigentes e bem-informados.
Paradoxalmente, essa democratização de informações e seu acesso facilitado ainda não refletem o papel do profissional de Educação Física como formador de opinião na área: pouco se vê os profissionais de Educação Física sendo responsáveis por matérias ou sendo entrevistados pelos meios de comunicação.
Embora a regulamentação da profissão e a criação dos Conselho Federal e dos Conselhos Regionais digam respeito à atuação profissional, sua inserção no mercado de trabalho e sua relação com a prestação de serviços à sociedade, não podemos deixar de considerar que essa nova realidade impulsionará uma discussão vital para a Educação Física: o que caracteriza a competência do profissional da área e qual a responsabilidade dos cursos de graduação no desenvolvimento desta competência.
O diploma universitário e o registro profissional são condições necessárias para a atuação, embora não sejam suficientes. Um papel carimbado e chancelado por uma instituição de ensino superior e o número do “CREF” dão ao seu portador as condições legais de atuação, mas não legitimidade social.
Os cursos de graduação devem instrumentalizar seus graduandos para que estes possam reconhecer oportunidades de atuação profissional ao invés de repetir conteúdos consagrados e, pro vezes, ultrapassados. É inadequada e desajustada a ideia segundo a qual os cursos de graduação devam estar preocupados com as demandas atuais do mercado de trabalho, pois o graduando, que atualmente está buscando através de um curso de graduação condições para atuação, será um profissional que construirá sua carreira ao longo de décadas e não podemos garantir que as demandas do mercado de trabalho permanecerão semelhantes às atuais.
A principal responsabilidade dos cursos de graduação é desenvolver nos graduandos uma atitude positiva frente ao conhecimento e um estado permanente de aprendizagem. Fundamentalmente, toda e qualquer profissão pressupõe um conjunto de conhecimento que lhe é próprio e que embasa atuação profissional. Assim, o profissional de Educação Física é aquele que é capaz de justificar, a partir de conhecimentos adquiridos na vida profissional, suas ações, seus procedimentos, suas condutas e suas decisões profissionais.
Infelizmente, ainda encontramos cursos de graduação que priorizam as receitas, as fórmulas de ensino, ignorando que cada ser humano tem características próprias para a aprendizagem e necessidades pessoais a serem satisfeitas. Cabe ao profissional identificar, planejar, orientar, executar e avaliar programas de Educação Física que correspondam às características, necessidades, potencialidades e expectativas motoras das pessoas. E cabe, portanto, aos cursos de graduação subsidiar os futuros profissionais para realizarem tal tarefa, uma vez que aí estão as características de sua profissão e desenvolver neles as habilidades de reflexão e análise sobre a relação ser humano e movimento.
Todas as profissões estão sentindo o impacto da tecnologia e da automação do trabalho que vem mudando sensivelmente as condutas profissionais. A tendência do mercado de trabalho é absorver profissionais que exerçam funções pensantes e, muito possivelmente, haverá pouco espaço para profissionais que só saibam executar tarefas rotineiras e repetitivas.
Muitos dos profissionais (e graduandos) de Educação Física possuem um forte apreço pelo senso comum e pelos modismos sazonais. Talvez seja hora de mudarmos essa situação: de observadores e consumidores passivos para solucionadores de problemas; de espectadores para protagonistas de nossas competências.
Em uma sociedade de constantes e velozes transformações, a aprendizagem é um processo contínuo e inacabado, as competências e saberes, transitórios. Para os graduandos, a aproximação com o cotidiano de trabalho é fundamental, desde que nesse ambiente haja espaço para o aprendizado mútuo entre graduandos e profissionais experientes e qualificados, com a supervisão de um docente universitário.
Neste cenário, os estágios supervisionados adquirem um papel central de reflexão e aprimoramento do futuro profissional e não podem, de forma alguma, se tornarem uma possibilidade de exploração de mão de obra barata e insuficientemente qualificada. A realidade tem mostrado que depois de dois ou três anos trabalhando com salários aviltantes, o graduando, agora diplomado, é substituído por outro “estagiário” que aceita as mesmas condições. Falta-nos consciência profissional.
Os cursos de graduação em Educação Física são responsáveis por transmitir ao seu corpo discente competências técnicas, pedagógicas e políticas. Por competência técnica entenda-se conhecimento sobre o ser humano, suas necessidades, potencialidades, possibilidades motoras e as implicações da atividade física para as pessoas. Por competência pedagógica entenda-se conhecimento sobre os processos de ensino-aprendizagem, seleção de conteúdos, avaliação dos programas e, por competência política, conhecimento sobre responsabilidade e compromisso profissional, sobre cidadania e ética.
Os cursos de graduação dão início àquilo que delineará o perfil da profissão e do profissional e as competências acima descritas, ainda que sumariamente, caracterizam este perfil e a posse delas transforma a graduando em profissional.
No entanto, se a sociedade não for capaz de reconhecer e diferenciar os serviços prestados por um profissional dos prestados por um não-profissional, de pouco terá valido a regulamentação da profissão porque em última instancia é ela, a sociedade, quem julga e escolhe de que vai comprar os serviços.
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