sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Preparação Profissional em Educação Física em face à Regulamentação da Profissão: a busca da legitimidade social

(artigo originalmente publicado na Revista CREF4/SP, ano 1, nº 2, p, 18-19, 2001)

A sociedade, através de revistas especializadas, jornais e programas de TV, está recebendo uma intensa carga de informação sobre a prática da Educação Física que a médio prazo resultará em clientes mais exigentes e bem-informados.

Paradoxalmente, essa democratização de informações e seu acesso facilitado ainda não refletem o papel do profissional de Educação Física como formador de opinião na área: pouco se vê os profissionais de Educação Física sendo responsáveis por matérias ou sendo entrevistados pelos meios de comunicação.

Embora a regulamentação da profissão e a criação dos Conselho Federal e dos Conselhos Regionais digam respeito à atuação profissional, sua inserção no mercado de trabalho e sua relação com a prestação de serviços à sociedade, não podemos deixar de considerar que essa nova realidade impulsionará uma discussão vital para a Educação Física: o que caracteriza a competência do profissional da área e qual a responsabilidade dos cursos de graduação no desenvolvimento desta competência.

O diploma universitário e o registro profissional são condições necessárias para a atuação, embora não sejam suficientes. Um papel carimbado e chancelado por uma instituição de ensino superior e o número do “CREF” dão ao seu portador as condições legais de atuação, mas não legitimidade social.

Os cursos de graduação devem instrumentalizar seus graduandos para que estes possam reconhecer oportunidades de atuação profissional ao invés de repetir conteúdos consagrados e, pro vezes, ultrapassados. É inadequada e desajustada a ideia segundo a qual os cursos de graduação devam estar preocupados com as demandas atuais do mercado de trabalho, pois o graduando, que atualmente está buscando através de um curso de graduação condições para atuação, será um profissional que construirá sua carreira ao longo de décadas e não podemos garantir que as demandas do mercado de trabalho permanecerão semelhantes às atuais.

A principal responsabilidade dos cursos de graduação é desenvolver nos graduandos uma atitude positiva frente ao conhecimento e um estado permanente de aprendizagem. Fundamentalmente, toda e qualquer profissão pressupõe um conjunto de conhecimento que lhe é próprio e que embasa atuação profissional. Assim, o profissional de Educação Física é aquele que é capaz de justificar, a partir de conhecimentos adquiridos na vida profissional, suas ações, seus procedimentos, suas condutas e suas decisões profissionais.

Infelizmente, ainda encontramos cursos de graduação que priorizam as receitas, as fórmulas de ensino, ignorando que cada ser humano tem características próprias para a aprendizagem e necessidades pessoais a serem satisfeitas. Cabe ao profissional identificar, planejar, orientar, executar e avaliar programas de Educação Física que correspondam às características, necessidades, potencialidades e expectativas motoras das pessoas. E cabe, portanto, aos cursos de graduação subsidiar os futuros profissionais para realizarem tal tarefa, uma vez que aí estão as características de sua profissão e desenvolver neles as habilidades de reflexão e análise sobre a relação ser humano e movimento.

Todas as profissões estão sentindo o impacto da tecnologia e da automação do trabalho que vem mudando sensivelmente as condutas profissionais. A tendência do mercado de trabalho é absorver profissionais que exerçam funções pensantes e, muito possivelmente, haverá pouco espaço para profissionais que só saibam executar tarefas rotineiras e repetitivas.

Muitos dos profissionais (e graduandos) de Educação Física possuem um forte apreço pelo senso comum e pelos modismos sazonais. Talvez seja hora de mudarmos essa situação: de observadores e consumidores passivos para solucionadores de problemas; de espectadores para protagonistas de nossas competências.

Em uma sociedade de constantes e velozes transformações, a aprendizagem é um processo contínuo e inacabado, as competências e saberes, transitórios. Para os graduandos, a aproximação com o cotidiano de trabalho é fundamental, desde que nesse ambiente haja espaço para o aprendizado mútuo entre graduandos e profissionais experientes e qualificados, com a supervisão de um docente universitário.

Neste cenário, os estágios supervisionados adquirem um papel central de reflexão e aprimoramento do futuro profissional e não podem, de forma alguma, se tornarem uma possibilidade de exploração de mão de obra barata e insuficientemente qualificada. A realidade tem mostrado que depois de dois ou três anos trabalhando com salários aviltantes, o graduando, agora diplomado, é substituído por outro “estagiário” que aceita as mesmas condições. Falta-nos consciência profissional.

Os cursos de graduação em Educação Física são responsáveis por transmitir ao seu corpo discente competências técnicas, pedagógicas e políticas. Por competência técnica entenda-se conhecimento sobre o ser humano, suas necessidades, potencialidades, possibilidades motoras e as implicações da atividade física para as pessoas. Por competência pedagógica entenda-se conhecimento sobre os processos de ensino-aprendizagem, seleção de conteúdos, avaliação dos programas e, por competência política, conhecimento sobre responsabilidade e compromisso profissional, sobre cidadania e ética.

Os cursos de graduação dão início àquilo que delineará o perfil da profissão e do profissional e as competências acima descritas, ainda que sumariamente, caracterizam este perfil e a posse delas transforma a graduando em profissional.

No entanto, se a sociedade não for capaz de reconhecer e diferenciar os serviços prestados por um profissional dos prestados por um não-profissional, de pouco terá valido a regulamentação da profissão porque em última instancia é ela, a sociedade, quem julga e escolhe de que vai comprar os serviços.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Regulamentação da Profissão: entre os direitos profissionais e os deveres com a sociedade

Tenho uma predileção antiga pelo mês de setembro, pois com a chegada da primavera, a cidade fica mais bonita e colorida e presenteio as pessoas queridas com flores. Por coincidência, é no primeiro dia do mês que comemoramos o Dia do Profissional de Educação Física e aproveito para saudar meus alunos com chocolate.

O dia 1º de setembro foi escolhido tendo em vista que foi nesta data que a Lei nº 9.696/98, que regulamenta a profissão, foi sancionada. Ora, mas o que significa para nós, profissionais de Educação Física, a regulamentação da profissão? Considerando que a prestação de serviços na área é tão antiga (remonta às aulas nos colégios no século XIX) qual o impacto da regulamentação há pouco mais de 10 anos?

Em termos gerais, uma atividade profissional quando é regulamentada distingue, dentro da sociedade, aqueles que têm o direito legal de exercer a profissão daqueles que não têm. Essa distinção se dá através do diploma de graduação, que certifica que seu portador concluiu o curso universitário, e do registro profissional, que reconhece que ele pertence a uma classe profissional e têm direitos e deveres.

Os direitos estão relacionados à exclusividade da intervenção, à reserva de mercado e à garantia de que não haverá concorrência desleal por parte daqueles que não investiram tempo e dinheiro na sua formação acadêmica e, por isso mesmo, se dispõem a oferecer seus serviços por um preço menor.

No entanto, é no campo dos deveres que a regulamentação da profissão se constitui como algo crucial para a qualidade dos serviços e para a legitimidade social. Pertencer a uma profissão regulamentada significa que, ao longo da carreira, o profissional deve investir sistemática e regularmente nas suas competências e no seu aprimoramento. É impensável, para a manutenção do status da profissão, admitir que seus membros não se dediquem aos estudos e desenvolvam um comportamento científico.

Comemorar o Dia do Profissional de Educação Física é renovar, todo ano, o compromisso com a competência e com a qualidade dos serviços prestados.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Gestão da Carreira em Educação Física: responsabilidade profissional e institucional III

Segundo a Wikipédia, trilogia é um conjunto de três trabalhos que estão conectados entre si, mas podem ser compreendidos individualmente. Desta forma e, como prometido, concluo a trilogia Gestão da Carreira em Educação Física na esperança de que minhas reflexões possam ampliar os caminhos dos profissionais. Modestamente, aproveito para homenagear minhas trilogias favoritas: Bourne e Star Wars (que são duas trilogias, por certo).

A primeira vista pode parecer forte demais o que vou dizer, mas, ainda sim, é preciso: a instituição na qual trabalhamos não existe para satisfazer os interesses dos seus colaboradores e os profissionais não existem para satisfazer os interesses da instituição. No entanto, a oportunidade de parceria se origina, justamente, no ponto de intersecção destes interesses.

Desta forma, a construção da carreira profissional, enquanto projeto pessoal, intransferível e consciente, pode ser compartilhado com uma instituição se houver interesses em comum. Por sua vez, é através do diálogo que ambas as partes comunicam, umas às outras, suas expectativas.

Essa comunicação pressupõe dois requisitos que, sem os quais, ela ficará muda. A primeira se refere ao profissional e à clareza sobre seu projeto de carreira e depende do diagnóstico das competências, do estabelecimento de objetivos, da identificação das oportunidades e do desenvolvimento do plano de ação. Isto posto, é de responsabilidade exclusivamente do profissional, identificar seus pontos fortes e suas carências, definir metas de trabalho, disponibilizar-se para o novo e planejar as ações.

O outro requisito se refere às possibilidades que a instituição oferece e depende da política de capacitação, das chances de se alcançar os objetivos, das oportunidades existentes e do espaço para a implantação de projeto. Assim, é de responsabilidade da instituição garantir oportunidades de aprimoramento profissional, reconhecer que o profissional tem intenções, criar um ambiente estimulante e desafiador e acolher e dar condições para o desenvolvimento do novo.

Em síntese, poderíamos afirmar que gestão de carreira é
  • estar atento aos condicionantes do mundo do trabalho em Educação Física;
  • romper com uma estrutura de pensamento que reforça a ideia de empregado/empregador;
  • posicionar-se como parceiro de negócio;
  • ter consciência da importância das relações profissionais (marca);
  • admitir que as partes tem interesses próprios e, principalmente, valorizar os interesses comuns;
  • ter clareza de que a carreira é de responsabilidade do profissional e que a instituição deve ser parceira e acolher o novo, ainda que tenha limites.
  • perguntar-se, diariamente, “Qual é o significado do trabalho em minha vida?”

Como as trilogias são sagradas, pois nos remetem a santíssima trindade, vale a pena lembrar que “os desejos mais puros e ardentes são sempre realizados” (Gandhi).

Em tempo: agradeço, mais uma vez, o honroso convite do Grupo de Coordenadores das Escolas de Esportes para participar do XV Workshop.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Gestão da Carreira em Educação Física: responsabilidade profissional e institucional II

“Quando estava ficando bom, você interrompeu o texto!!”. “Ops!! Desculpa aí”. Esse diálogo só tem sentido com essa explicação: recebi uma bela bronca de 2 alunos que leram o artigo postado na semana passada e que é fruto da palestra proferida no XV Workshop das Escolas de Esporte promovido pelo Grupo de Coordenadores das Escolas de Esporte de São Paulo. Entonces, adelante!

Considerando que devemos estabelecer com a instituição na qual trabalhamos uma relação de troca e de parceria, precisamos ter em mente que ambos os lados precisam se beneficiar desta relação. No entanto, não podemos nos esquecer que “sentir-se beneficiado” está relacionado com desejos e aspirações e estes sentimentos mudam com o passar do tempo.

Para refletir sobre a gestão da carreira é importante considerar que existem variáveis que, interligadas entre si, dão movimento a ela, como uma engrenagem. Essas variáveis estão relacionadas com aspectos profissionais (posicionamento, realizações, ciclos, autoconhecimento), com aspectos institucionais (metas e objetivos, pressões sociais) e, principalmente, com a inter-relação destes aspectos (diálogo sobre as expectativas profissionais e institucionais), sem deixar de se considerar o dinamismo da sociedade.

Isto posto, arriscaria afirmar que a carreira está relacionada com nosso posicionamento e o espaço que as nossas realizações ocupam. Envolve ciclos que refletem tanto nossas motivações pessoais quanto as pressões institucionais e sociais. É fruto do autoconhecimento e da consciência das nossas potencialidades, possibilidades e fraquezas. Pressupõe o diálogo entre as expectativas pessoais e institucionais em um cotidiano dinâmico e imprevisível.

O grande desafio está em se ter clareza dos nossos desejos e como conciliá-los com o desejo do outro.

Ps: London e Stumph (1982), estudiosos do tema, têm a seguinte definição: “Carreira são as seqüências de posições ocupadas e de trabalhos realizados durante a vida de uma pessoa. A carreira envolve uma série de estágios e a ocorrência de transições que refletem necessidades, motivos e aspirações individuais e expectativas e imposições da organização e da sociedade. Da expectativa do indivíduo, engloba o entendimento e a avaliação de sua experiência profissional , enquanto da perspectiva da organização engloba políticas, procedimentos e decisões ligadas a espaços ocupacionais, níveis organizacionais, compensação e movimento de pessoas. Estas perspectivas são conciliadas pela carreira dentro de um contexto de constante ajuste, desenvolvimento e mudança”

Ps2: aviso aos navegantes: semana que vem concluímos.